Capítulo I - Erat quondam Ventura Urbs...

Amsterdam. Dois de janeiro de 2008. A capital dos Países Baixos transbordava romantismo. Lucas olhava pela janela do avião e observava os captores de energia eólica. Ver aquele país de aterros lhe apertava o coração de saudades de sua pátria-amada. Pátria-amada ou pátria e a amada... Lucas não parava de pensar no sorriso de Anyne. O biólogo ficaria um mês longe daquelas encantadoras covinhas na bochecha.

"Amor?" A suave voz da doce Thaynam quebra o silêncio e o desperta de seus sonhos. "Um beijo pra saber o que essa cabecinha tanto pensa..." Lucas abraça a esposa, fecha os olhos e faz carinho com o rosto. "Só um beijo?" (beijo) "Bobo! Quantos você quiser..." "(beijo)

O professor responde: "Vendo essa região de aterros, me lembrei do Brasil. Aqui o povo aterra o mar, empurra o continente água afora... No Brasil, não precisamos de nada disso!" Thaynam levanta o braço que divide os assentos e deita sobre o colo de Lucas, olhando também pela janela. "Você tem razão! Vivemos num país abençoado..." "E não é só isso... Nosso país está livre de tudo que é desastre natural!" "Hum... Meu Deus, que lindo um marido biólogo!" (risos)

"Biólogo não... Meu amor é mais que isso! Doutorando... Que coisa chique!" (beijo) "Ai, amor... Só você mesma!" "Você é lindo, lucas! um homem perfeito!" "Você que é uma mulher perfeita, Thay! Te amo tanto, meu amor!" "Uau... ouvir isso nessa terra romântica é ainda mais gostoso!" (risos)

A psicóloga adormece nos braços do marido. Lucas ajeita a cabeça no encosto do assento e fecha os olhos. As cenas do seu casamento lhe vêm a cabeça. Ninguém no mundo poderia sequer imaginar como fora difícil pra ele casar com Thaynam gostando, ao mesmo tempo, de duas mulheres. E pior: com a mesma intensidade!

Levariam ainda alguns minutos para o avião de fato aterrizar em solo holandês.

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Alvorada. Bahia. Brasil. "Doutora, perdoe-me, mas minha dor é no ombro esquerdo... A senhora está a uns cinco minutos massageando o direito..." "Me desculpe... Eu não estou muito bem hoje..." "Por que a senhora não vai pra casa e descansa?" "Pois bem..." Anyne pega o telefone. "João, continua essa sessão pra mim?" "Claro, maninha!" O colega de trabalho entra na sua sala e logo logo assume seu posto. A morena-índia pega seu jaleco branco e zarpa pra casa.

Anyne acende seus incensos e abre as janelas de sua enorme sala, enquanto troca de roupa. Precisava meditar e fazer alongamento.

19h. O sol estava partindo de Alvorada. Thaís estava atrasada. Secava os cabelos depressa e se maqueava em frente ao espelho no quarto da mãe. "Raio de sol" chegaria em cinco minutos. Dona Ana passa pelo corredor e vê a filha toda produzida.

"Filha, você vai sair hoje de novo?" "Vou, mãe!" E onde você vai, meu amor? Mamãe fica preocupada com suas saídas... Já está escurecendo e você..." A gata dá um beijo na mãe, passa a mão no casquinho de crochê e responde antes da mãe terminar... "Vou à luta, minha mãe!" E sai...

"Jesus, Maria e José...Protejam essa menina! Ela é tão inocente e sem maldade ainda... Põem discernimento naquela cabecinha, meu Deus!"

Um Audi C4 pára em frente à casa de Lucas. A filha da empregada do casal balança os cabelos contra o vent e abre um sorriso ao ver "Raio de Sol". Ao se aproximar do carro, o homem lhe diz: "Pronta, Estrelinha?" ""Prontinha, meu Raio de Sol!"

O carro faz a volta na praça de Alvorada, passando em frente a Catedral de São Patrick. No meio do Evangelho, Padre Ítalo avista o carro. O religioso era o único que sabia a verdadeira identidade de "Raio de Sol". "Pobre Thaís... Meu Pai, protejei-lhe!" - pensava o padre.

Ao terminar a missa, Pe. Ítalo teria uma reunião muito importante. Conversaria com Valéria sobre a belíssima atitude da escritora de doar parte do arrecadado com a venda do livro "Depois daquela viagem" para as obras da igreja ligadas ao tratamento de crianças com AIDS.

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Duas horas mais tarde seria meia noite em Amsterdam. Lucas e Thaynam haviam acabado de ajeitar as coisas no quarto do hotel. O casal ficaria uns dias lá, antes de partirem para Dublin, na Irlanda. O celular do biólogo vibra. "Meu amor, Alvorada sem ti é tão fria quanto o clima que deve estar em Amsterdam. Aproveite aí e volte logo para os braços da mulher que necessita de ti tanto quanto do ar que respira... Beijos, meu amor!"

O coração do biólogo parece sair pela boca. Thaynam o abraça por trás e ele toma um baita susto. "Que foi, bebê? Te assustei?" Ele pega a mulher no colo e a coloca na cama. Olhando em seus olhos, ele diz: "Levaria vinte sustos desse se precisasse só para ver esse olhar perfeito!" "Te amo!" (beijo)

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Prefeitura de Alvorada. A "primeira-dama" está irritadíssima. Seu sotaque baiano marcava o tom de seu nervosismo. "Sebástian, pela última vez eu lhe pergunto... onde é que se enfiou a desgraça do meu marido?" "Pela última vez eu lhe respondo, dona Luciana, eu não sei! O homi saiu mais cedo e..." "O homi? Veja só como você fala do meu marido, prefeito dessa cidade! Seu incompetente!" "Fala assim com eu não, Da. Luciana." "Com eu? Comigo, seu chucro! Ai, é um jumento mesmo... Nem falar direito você sabe..." "Arre, égua! Mas quando teu marido sai de viagem a senhora bem que gosta de..." Luciana passa a mão num abajur e lança nele. "Cala a boca, estrupício! Se o caio chega aqui e ouvi você falando..."

O prefeito chega e ouve o final da discussão... "E ouço o que, meu docinho de côco?" (beijo) A perua gagueja... "É... Bem, agora você veja só! Eu mandei há meia hora esse imbecil me trazer caviá e Coca Zero..." "E...?" "E ele me trouxe Coca Light!" Sebástian entra na farsa. "Mas, Da. Luciana, as duas Cocas tem o mesmo sabor..."

Caio senta em sua enorma cadeira e respira fundo. "Sebástian, meu caro, se a primeira dama quer Coca Zero, você traz Coca Zero... Você não é pago pra pensar e sim pra cumrir ordens..." "Sim, senhor... Com licença..."

A Prefeitura de Alvorada ficava na grande e iluminada praça no centro da cidade. No segundo andar, ficava a sala de Caio reis. Ao abrir sua janela, o prefeito tinha uma bela visão da cidadezinha. Era uma cidade bem parecida com Ventura, da novela Chocolate com Pimenta. A cadeira de Caio ficava de costas para a janela, assim como a de Vivaldo, na referida novela.

Luciana senta no colo do marido e estica as pernas sobre a mesa da sua sala. "E posso saber por onde andava a uma hora dessas o senhor meu marido?" "Docinho, você sabe que minha vida depende da política... Já dizia Maquiavel que o príncipe precisa cavalgar pelas montanhas, em dias de sol, para aumentar a sua estratégia política..."

"Benzinho, você anão saiu para cavalgar, tampouco em dia ensolarado." Luciana dá um leve tapa no marido. "Caio reis, se eu descubro que saístes em seu belo C4, no cair da noite, para se encontrar com alguma sirigaita, eu não só lhe parto a cara como lhe arruino a vida política, vixi?!" (beijo) "Meu amor, não seja ciumenta assim, bebê... Seu maridinho estava ajeitando a nossa vida, vixi?" "Ajeitando a nossa vida?"

A centena de braceletes de Luciana chacoalham. "Claro, docinho... Esqueceste que as eleições para governador de Estado estão chegando?" "É mesmo... Imagine... Luciana Borges: primeira dama do estado da Bahia... Oxe... É chique por demais!" (beijo)

Faltavam ainda alguns meses para as eleições. E o Estado de ACM jamais se esqueceria daquelas...