domingo, 6 de dezembro de 2009

A difícil arte de ser feliz

"Hoje em dia, não há mais uma explícita, uma clara
noção do que seria felicidade, como antigamente."
Arnaldo Jabor
"Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que
a felicidade está numa caixa de bombons."
Carlos Drummond de Andrade


Felicidade... Em Latim, a palavra felix (genitivo felicis) queria dizer - originalmente - “fértil”, “frutuoso” (”que dá frutos”), “fecundo”. A raiz da palavra está relacionada, como se percebe, a "propício, favorável,..." e, por extensão metafórica de sentido, tínhamos também "afortunado", "alegre", "satisfeito"...
A noção de felicidade como um objetivo inerente a todo e qualquer ser humano é um constructo histórico. Nem os antigos nem os medievais tinham a concepção de que nasceram para serem felizes. O homem da Idade Média pensava que havia nascido para fazer o bem, e assim conseguir adentrar o reino dos céus. Perceba: "fazer o bem" numa concepção teológica, ainda que isto implicasse em renúncia da felicidade terrena, uma vez que a verdadeira felicidade encontrar-se-ia no Reino dos Céus.
Chegamos à Idade Moderna, que historicamente se inicia com a tomada da Cidade de Constantinopla (atual Istambul) pelos turco-otomanos, em maio de 1453. Sob os ordens do sultão Maomé II, que violara o Tratado Bizantino, o exército otomano toma a capital, pondo fim ao Império Romano do Oriente. A Idade Moderna estendeu-se até a Revolução Francesa, em 1789.
Eis que o teocentrismo foi, gradualmente, dando lugar ao antropocentrismo. A dúvida entre o céu e a terra, entre o perfeito-religioso e o inacabado-humano, entre regozijos terrenos ou paradisíacos, tal dúvida é, como se sabe, clássica do Barroco, uma das mais belas e significativas escolas literárias.
O homem moderno passou a ver a felicidade quase que como uma obrigação de vida. "Se não se tem certeza da existência de um plano que se sobreponha à materialidade deste, vivamos o aqui e o agora." São desse período a Reforma Protestante, o Humanismo e o Renascimento... Ser feliz era, para o homem moderno, algo mais próximo da sua realidade do que o era para o medieval.
E o que dizer do homem contemporâneo? O homem moderno viu que sem o ideário religioso também não era possível viver de forma "plenamente realizada". Nós, contemporâneos, somos, por fim, esse melting pot, esse crisol de raças que buscam feitos loucas um alicerce plausível para justificar a própria existência.
Esquecemo-nos, pois, que, na vida, não somos meros espectadores do nosso show, somos os atores desse espetáculo e, quiçá, os próprios autores dessa dádiva. Ser feliz é, antes de mais nada, assumir o controle das nossas próprias vidas. É sair do banco do carona e começar a dar os rumos dessa caminhada. Caso contrário, voltaríamos à ideia medieval de "cegueira". Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás - aprendemos com Che.
"Amar-se primeiro. Amar-lhe depois." Parece egoísta, mas não é feliz aquele que ama alguém mais que a si próprio. Convenhamos que a própria ideia de ser feliz tem a sua carga de egocentrismo. E por que não? Permitamo-nos esse deleite algumas vezes. Há um provérbio nepalês que diz que os melhores relacionamentos são aqueles em que o seu amor pelo outro é maior que a sua necessidade do outro.
O que é ser feliz? Não sei! Mas sei o que é não ser feliz... Discípulo de José Régio (poeta português) que sou, digo que primeiro defino o que não quero na vida, para depois buscar o que quero. Já fiz a minha lista de coisas que me farão feliz se eu não fizer ou tiver. E confesso: só com isso já sou uma pessoa mais feliz!
Concluo novamente com os nepaleses: "Ame profundamente e apaixonadamente. Você pode se machucar, mas é a unica maneira de viver a vida em sua totalidade."